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Animais silvestres: podemos tê-los em casa?
por
Renata de Freitas Martins Jurídico Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos IntroduçãoMuito
se tem falado atualmente na possibilidade de se considerar animais
silvestres presentes em residências como pets. Mais ainda. Em matéria
publicada recentemente em um portal da internet, pudemos ler
declarações do IBAMA de que há brechas na lei permitindo que
particulares sejam depositários fiéis de animais silvestres apreendidos
do tráfico. Será que tais considerações merecem guarida? É o que
analisaremos e concluiremos com este artigo.
Animais silvestres: definição
Animais silvestres ou selvagens são aqueles naturais de determinado país ou região, que vivem junto à natureza e dos meios que este lhes faculta, pelo que independem do homem.
Mas
e se o animal silvestre foi domesticado? Pois bem. Com a definição de animais silvestres já exposta, fica latente que a domesticação destes é algo totalmente anti-natural, e, portanto, é considerada maus-tratos, já que para que esta existe, haverá que se retirar o animal de seu habitat natural, alterando-lhe toda uma estrutura de vida e costumes, podendo inclusive levar-lhe à morte. Aliás,
não apenas a retirada do animal de seu habitat que lhe trará
malefícios, mas também, e, principalmente, os hábitos que o ser humano
irá imputar-lhe, para que viva com essa nova "sociedade". Exagero? Não! Um exemplo de um animal que muitos acham legal ter em casa, o papagaio. O que mais fazem com esses animais que acham ser pets? Alimentam filhotes e até adultos com leite, como se mamíferos fossem (por orientação do próprio “vendedor”, que tem interesse que o animal morra logo mesmo, assim poderá vender mais e mais), além de “aparar” as asas para não fugirem (velho e batido conceito de propriedade dos animais...). Ah... muita gente fica orgulhosa de dizer que o animal vive solto em casa (lógico, não pode mais voar...) e só vai para gaiola na hora de dormir (e quem disse que a hora de dormir do papagaio é a mesma de seu “dono” ?). Poderia citar muitos outros relatos ainda, mas escreveria páginas e mais páginas e nunca teria fim, tamanha as “proezas” cometidas contra os animais. Devemos
finalmente ressaltar que, animais silvestres, apesar de em tese terem sido
domesticados, podem revoltar-se, podendo causar graves acidentes, além,
é claro, das diversas zoonoses que podem transmitir.
Se
o animal silvestre já nasceu em cativeiro pode, certo? E
será que para um animal nascer em cativeiro antes não foi necessário
que exemplares de sua espécie fossem retiradas de seus habitats
naturais? Claro
que sim. Portanto, incentivo ao nascimento de animais em cativeiro para
venda é o mesmo que o incentivo ao tráfico. Além
disso, admitir-se aves, macacos e outros como pets é o mesmo que
admitir com naturalidade que um ser humano inocente viva para o resto de
sua vida em uma cela de prisão. Isso é natural? E
aquele animal que eu vi em péssimo estado sendo vendido na beira da
estrada? Comprar
um animal por dó definitivamente não ajudará em nada. Muito
pelo contrário. Servirá de incentivo para que o criminoso disponha de
novos animais para venda, já que é fácil fazê-lo. O ciclo infindável
do tráfico sendo incentivado. Ah,
então se eu quero muito ter um animal silvestre, o certo é ir até o
IBAMA e adotar um que tenha sido apreendido? O
IBAMA não pode e não deve repassar animais provenientes de alguma
apreensão para um particular, pois isso seria o mesmo que legalizar o
ilegal (“esquentar” animal de tráfico), ou seja, tira-se animais de
um particular traficante e dá para outro que apenas receberá outra
denominação legal – depositário fiel. A
afirmação do IBAMA que lemos dia destes em reportagem, de que há brecha
na lei permitindo que qualquer pessoa “adote” um silvestre é
simplesmente deplorável e falaciosa. Aliás,
basta uma breve citação do capítulo pertinente à destinação de
animais apreendidos na lei de crimes ambientais para termos certeza da não
existência de dúvidas em relação a essa questão, o qual reproduzimos o trecho que trata da
questão a seguir: “CAPÍTULO
III DA
APREENSÃO DO PRODUTO E DO INSTRUMENTO DE INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA OU DE CRIME Art.
25. Verificada a infração, serão
apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos
autos. § 1º
Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos,
fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a
responsabilidade de técnicos habilitados. (...)”
(grifos nossos) Entidades
assemelhadas (sic) definitivamente não querem dizer pessoas físicas,
certo? Afinal
de contas, quem pode receber animais provenientes de apreensões, então? Tomarei
a liberdade de reproduzir neste tópico parte de artigo já publicado
nesta coluna no passado, tendo-se em vista que ainda existem muitas dúvidas
a respeito, especialmente neste momento que o assunto tem estado de forma
latente em pauta. Infelizmente
raros são os locais aptos para receberem animais provenientes de apreensões
aqui no Brasil: alguns poucos Centros de Triagem (municipais ou
estaduais); associações civis, devidamente
registradas como criadouros conservacionistas ou mantenedouros da fauna exótica,
as quais acabam assumindo
um ônus estatal e sem qualquer ajuda governamental; às vezes um ou outro
zoológico (lembrando-se que poucos são os zôos que estão legalizados
perante o IBAMA), porém que acabam ficando com animais em seus setores
extras, como excedentes; e alguns criadouros. Os
Centros de Triagem, com pouca estrutura se compararmos à enorme demanda,
normalmente recebem animais silvestres, especialmente papagaios, araras e
aves em geral. Nos últimos tempos também passaram a receber alguns exóticos
“da moda”: iguanas e tartarugas canadenses. Praticamente todos os dias
tenta-se levar animais após apreensões para esses centros de triagem,
porém o final é sempre o mesmo: não é possível fazê-lo. As associações civis, com raríssimas exceções, estão todas super lotadas também, e a enorme maioria abriga apenas animais domésticos, ficando aí uma enorme demanda excedente de animais silvestres nativos e exóticos. Vale ressaltar ainda que todas essas associações que abrigam e tutelam muitos animais passam por dificuldades financeiras enormes e surpreendentemente não recebem apoio governamental algum, apesar do trabalho extremamente necessário para o país. Já
os zoológicos afirmam que os animais abandonados em centros urbanos
atrapalham seus trabalhos, conforme veementemente discutido no IX
Congresso Paulista de Zoológicos. É dito que não há a estrutura para
receber todos os animais que se pretende encaminhar para os zôos.
Reclamam muito também sobre os leões, pois há um alto custo para
manutenção destes animais e os consideram como um problema (aliás, o
caso dos leões excedentes no Brasil está tão gritante, que nosso próprio
órgão ambiental tentou a manobra da “repatriação” (???) desses
animais para a África há algum tempo atrás, havendo-se fortes indícios
de que seriam levados para fazendas de caça). Finalmente
os criadouros. Esta tem sido uma das opções de destinação de alguns
animais silvestres aprendidos. Porém, tratam-se de criadouros comerciais,
e que irão ter lucros com esses animais. Portanto,
de se ressaltar que não entendemos albergados no artigo 25 da Lei de
Crimes Ambientais os criadouros comerciais, tendo-se em vista que utilizarão,
de uma forma ou de outra, um animal proveniente de crime para fins de comércio,
ou seja, ganhando dinheiro com o crime da mesma maneira. Mas
então, diante das dificuldades para destinação, o que se deve fazer com os animais apreendidos? Se
a falta de destinação para os animais é tão latente, o que se deve
fazer então? Deixar de fazer fiscalizações e apreensões? Manter os
animais obtidos e mantidos de forma ilegal com o próprio “dono” como
depositário fiel? Colocar os animais para adoção a qualquer particular,
desde que se ofereçam gaiolas maiores? Encaminhar todos os animais
silvestres para os criadouros comerciais? Legalizar o ilegal sob os auspícios
de nossos próprios órgãos fiscalizadores? E alguns grandes animais que
ninguém quer (?), eutanásia? (a falaciosa humanitária, é claro...) Realmente
trata-se de uma questão ampla, porém, para que seja finalmente
resolvida, não exige nada muito complexo. Isso mesmo. A solução é
simples. Vejamos.
1.
Adequação de Zôos às reais necessidades do país Mudança
de função dos zôos, não utilizando animais como objetos de deleite
visual humano, mas sim sendo um centro de recebimento, recuperação e
tratamento de animais, atendendo assim a demanda de milhares de animais
silvestres nativos e exóticos apreendidos, sendo meramente educacional e
restrita a demanda de visitação, permitindo que os animais tenham uma
recuperação e não fiquem jogados nos famigerados setores extras. Concomitantemente,
logicamente, a realização dos trabalhos conservacionistas e
preservacionistas já realizados em alguns dos zôos. Solução
simples, útil e que daria um foco verdadeiramente educacional a zôos,
atendendo à real demanda do país. Já
há em tramitação um projeto de lei neste sentindo, propondo-se que zôos
transformem-se em centro de proteção à vida animal: PL
3192/2004.
2.
Educar, sempre educar! Estímulo
e prática da educação ambiental é outro necessário e urgente caminho.
Mas o que é essa tal de educação ambiental, afinal de contas? Educação
Ambiental é o processo por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constróem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do ambiente, havendo, assim, a tão necessária
inter-relação entre todas as formas de vida do planeta. Em termos jurídicos, vemos que no Brasil o parágrafo 1º, VI, do art. 225 da Constituição Federal determina ao Poder Público a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino. Mas, apesar desta previsão constitucional, bem como o fato da educação ambiental já ser reconhecida mundialmente como ciência educacional e também recomendada pela UNESCO, pouco é feito no Brasil para a sua implantação concreta no ensino. O que existe é fruto dos esforços de alguns abnegados professores, educadores e associações, não havendo a atenção que merece o tema pelo poder público e redes de ensino. Com
a publicação da Lei 9.795/99 a questão tomou força, pois a implantação
e aplicação da educação ambiental como disciplina passou a ser obrigatória.
Agora
nos resta exigir de fato que se cumpra esse necessário caminho. Portanto,
educadores, professores, alunos, associações e a sociedade como um todo
devem estar conscientes da necessidade de uma implantação efetiva da
educação ambiental como matéria no processo educacional moderno público
e privado e exigir dos órgãos competentes a aplicação da citada
legislação, bem como incentivar a educação ambiental não-formal (além
da necessária continuidade do que já se existe, claro), pois só assim
poderemos conseguir desenvolver uma sociedade sadia e coerente com os
princípios básicos de preservação do meio ambiente e, conseqüentemente,
veremos a demanda para destinação de animais decrescendo, como fruto da
tão sonhada extinção do tráfico e não das espécies.
3.
Parcerias com associações Parcerias
com as associações que lidam de fato e na prática (não de dentro de
escritórios e atrás da telinha fria de um computador) e conhecem bem a
questão dos silvestres, mas têm que trabalhar a duras penas, sem
incentivo algum do governo. Essas
associações, além de poderem contribuir com todo know how
adquirido ao longo dos anos de seus trabalhos, também muitas vezes
conhecem a situação muito de perto, sabendo exatamente quais as bases do
problema, o que facilita, e muito, na busca por soluções e caminhos viáveis
para a contribuição com o tão necessário fim do tráfico de animais. Aliás,
se órgãos oficias procuram uma associação constantemente, para depósito
legal de animais, confiando no trabalho feito, porque será que o
executivo omite-se? Transferir o “problema” sim, mas colaborar, não?
Como todos sabemos, a tutela da fauna cabe ao poder público e a todos nós
(artigo 225, caput, CF) e não apenas às associações.
4.
Combate ao tráfico em suas bases
Como
admitir que se espere termos milhares de animais vítimas do tráfico para
então discutirmos a questão? Aliás, erro meu, porque a questão de fato
pouco se discute. Discute-se apenas a conseqüência da questão e por uma
simples razão: porque essa conseqüência começa a “perturbar” os
olhos do Executivo e começa a adentrar seus escritórios. Animais e mais
animais amontoados nas salas, implorando por cuidados, a ponto até de
termos a inadmissível afirmação de que qualquer particular poderá
adota-los. Fácil, não? O que incomoda, tira-se da frente de qualquer
maneira. Ou será que algum inocente ainda pensou que essa adoção seria
algo legal, que o órgão ambiental fiscalizaria o particular
rotineiramente e exigiria condições dignas para o animal adotado? Come
on! Portanto,
que se realize um trabalho preventivo, combatendo que o tráfico aconteça,
e assim, evitando-se que milhares de vidas sejam aprisionadas e, conseqüentemente
perdidas, porque animal silvestre em cativeiro é praticamente uma vida
perdida. E
como fazer isso? Que se abram novos concursos e se dê condições de
trabalho para fiscais. Tenho certeza que temos pessoas aos montes nessa
Brasil que realizariam esse trabalho com todo o gosto, tendo orgulho de
sua profissão (como de fato já temos muitos policiais e fiscais atuando,
verdadeiros heróis, já que o Estado não lhes propicia o mínimo de
condições necessárias, especialmente logísticas). Afinal, se deputados
federais, por exemplo, podem contratar funcionários com belos salários
para trabalharem (?) em mês que não se trabalha, se o governo pode
gastar tanto com viagens e festinhas particulares no Torto, porque não
pode oferecer trabalho para pessoas normais para o exercício de atividade
salutar para a manutenção do que ainda resta da biodiversidade nacional,
que nem sei se ainda posso chamar de uma das mais ricas do mundo? Conclusão Por
todo o exposto, fica claro e notório que não se deve de maneira alguma
ter ou incentivar que se tenha animais silvestres em casa. Silvestre não
é pet! Em
relação ao tráfico e suas drásticas conseqüências, quais sejam,
milhares de animais a serem destinados e muitos sem a mínima
possibilidade de retorno à natureza, que se tenha vontade política de
nossos legisladores e do Poder Executivo, regulamentando mais santuários
no país, criando-se condições de trabalho, inclusive com destinação
de verba do Fundo Nacional do Meio Ambiente para estes fins (que tenhamos
tido notícia, nunca vimos fauna beneficiada por este fundo), o que
possibilitaria apoio logístico para o recebimento de animais provenientes
de apreensões e concomitantemente que se combata o problema em suas
bases, com real e efetiva fiscalização e educação. Nada utópico não? NADA
DE JAULAS MAIORES. AOS INFELIZMENTE JÁ CONDENADOS: DIGNIDADE E AO FUTURO: LIBERDADE, LIBERDADE, LIBERDADE!
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