|
Sobre a ASERG
|
A
ética aos animais em sua mais Em colaboração: Marcos Sosa, professor de literatura Confundir liberdade religiosa e cumprimento de lei é coisa grave, é coisa nefasta. Matar animais sob justificativa religiosa é coisa nefasta, pela razão de que este ato coloca o homem num lugar de poder que não lhe cabe. A lei brasileira possui tal entendimento. Em nível federal, o abuso, a crueldade e os maus tratos aos animais são vedados pela Lei 9.605/98. E, em específico aqui no Estado, em 2003 foi aprovado o Código de Proteção dos Animais. Pois agora, dia 29 último, um PL a esse mesmo Código também foi aprovado: trata-se do PL nº 282/03, de autoria de Edson Portilho (PT), que permite o sacrifício de animais em cultos religiosos. Não
discutiremos aqui os argumentos da religião, pois em geral discutir isso
é discutir credo religioso, e uma discussão com esta variável em foco
foi o que fez, por imponderável que possa parecer, a Assembléia no dia
29. No mesmo sentido, é fato que o dogma religioso alimenta um
obscurantismo a se superar e reverter: ele é que foi um grande empecilho
– e continua sendo –, ao progresso científico e ético, e foi em
persecução a este progresso e contra as estruturas religiosas que muitos
homens de ciência tiveram sua liberdade restringida ou mesmo sua vida
extinguida. Assim foi na Idade Média com a Igreja e seus padres bonzinhos
na ponta de lança do processo; assim também se apresenta hoje o mesmo
obscurantismo na posição da Igreja frente a pesquisas em Genética; e
assim é também agora, quando um debate ético-científico e ambiental
vem abaixo em versão distorcida: parece que o tema da proteção animal
vira uma simples e banal gororoba, passível de ficar suspenso na
polaridade ingênua das religiões evangélicas versus religiões
afro. Isso vai mal, isso tem de ser revisto em profundidade. Um dia virá
uma religião alegar uma coisa, outro dia virá outra, e escreveremos
todos juntos, com sorrisos nos lábios, tantas emendas quanto quiserem
elas, as religiões – como se os avanços sociais fossem meros anexos
aos credos específicos. Lembro, portanto: credo é coisa de grupo, é
coisa setorializada, e nessa condição tem sim um lugar social; proteção
aos animais é tema de interesse público, não só no RS, mas no Brasil e
no mundo todo, e tem um outro lugar social. Esta é a hierarquia do
debate.
E
esclareço um outro ponto: não tem nenhuma discriminação aqui – nem
religiosa, nem de credo, nem qualquer outra, muito menos racial. Não tem
discriminação velada, nem aberta, nem nada. O que tem aqui, sim, é uma
preocupação ético-científica e ambiental imensa, e da seguinte ordem:
as formas de vida precisam ser valorizadas, respeitadas e protegidas; e as
relações do homem com o meio ambiente precisam passar pelo crivo de uma
profunda revisão. Na hipótese de ausência desses princípios, há uma
ineficiência conceitual a se transpor. Esta é a variável do debate, e não
outra.
Ou
bem ficamos assim: num momento em que há uma percepção cada vez maior
de que o ser humano precisa ser menos desumano com os
animais, e num momento em que várias ONGs em todo o mundo lutam pela
extinção de práticas cruéis aos animais, vamos daí é assistir,
juntos, a um debate totalmente fragilizado, lá no núcleo das decisões,
e vamos aplaudir. Vamos ficar assistindo a essa falta de coragem bárbara,
e a essa condescendência a um raciocínio obscurantista que, me parece,
categoriza e multiplica idéias pré-formadas, além de criar exceções
à lei. De resto fica uma pergunta deveras urgente: é constitucional essa
alteração ao Código? Pois sim: alguém tem desde já que fazer
essa pergunta.
| ||
|